sábado, 10 de agosto de 2013

Geppetto, Feliz Dia dos Pais (de Pinocchio)


No fundo eu acho que todo pai é um pouco Geppetto, o entalhador criado por Carlo Collodi e popularizado pelos Estúdios Disney no desenho animado Pinóquio (Pinocchio, em italiano).

É que as crianças chegam até nós como se fossem um pedaço amorfo de madeira e é justamente o nosso trabalho, o de pai, que faz com se transformem em meninos (ou meninas) de verdade.

O que um entalhador faz com suas ferramentas de trabalho numa peça de madeira é traçar uma linha de demarcação, uma divisa, uma fronteira, um extremo, um fim, um ponto que não se deve ultrapassar, de modo que o material se transforme em alguma coisa com características e identidade próprias. Ora, mas demarcar, estabelecer divisas e um ponto final nada mais é que o conceito do Aurélio para a palavra “limite”.

Mas não é isso que um pai faz? Não é a função paterna justamente a de estabelecer limites para que o ser tenha forma?

Assim como um entalhador, um pai tem que ser paciente, mas firme, marcando a madeira, lixando, polindo, jogando fora, tirando e descartando tudo o que não é menino.

Mas não basta!

Pinocchio, sem ter em si mesmo, vindo Deus sabe de onde, uma força misteriosa, um desejo descomunal não só de ser menino, mas menino de verdade, seria apenas um boneco de madeira, um títere manipulado por alguém segundo os desejos daquele, nunca alguém dotado de vontades, expectativas, sonhos e identidade própria.

Quando Geppetto estava convicto de que Pinocchio estava pronto e que poderia descansar é que descobriu que seu trabalho jamais teria fim. Pinocchio, tendo vida própria, começou a cometer seus próprios erros, suas mentiras e verdades próprias, usando e gozando do direito de viver sua vida conforme seus próprios parâmetros.

De um lado a busca do gozo infinito, do outro os limites. Haja noites sem sono, haja joelho no chão, haja discussões eternas e intermináveis...

O desejo de ser alguém, de ter vida própria, em choque com o desejo de estabelecer e manter suas regras e limites vem causando há séculos os tais conflitos de gerações, que deixam pais sem cabelo ou de cabelo branco e filhos de cabelo em pé.

Nesse vendaval de emoções é que me perguntam se eu gosto de ser pai.

Não é questão de gostar ou não gostar. É que sou pai desde os 22 anos e nem me lembro mais o que é não ser pai. Me tirem meus filhos e a minha vida vai junto. Sou um bom pai? Sou um pai ruim? Não sei. Tento ser bom, nem sempre consigo.

Em relação aos meus filhos ouso parafrasear Florbela Espanca quando ela diz que "não és sequer a razão do meu viver, pois que tu és já toda a minha vida".

FELIZ DIA DOS PAIS para todos nós.


segunda-feira, 6 de maio de 2013

Entre bengaladas e palavrões



Algumas coisas só acontecem comigo mesmo, não tem jeito, mas virar alvo de bengala de velho cego já é demais.

Ops! Velho não! Dizer velho cego não pode, senão os xiitas do politicamente correto esculacham a gente, chamando de velhofóbico, cegofóbico, bengalofóbico ou qualquercoisofóbico que o valha. Retificando, então, tratava-se de um senhor da terceira idade com restrições visuais e, consequentemente, portador de necessidades especiais, armado com uma sombrinha grande numa mão e uma bengala de madeira, daquelas rústicas, mais grossas, na outra.

Meu escritório ficava em Vitória, exatamente no 236 da Rua Sete, e acabei me acostumando com o lugar que, confesso, ainda lembro com uma nostalgia deliciosa. Gosto de vagar pela Rua Sete e adjacências sem compromisso, olhando o comércio, vendo os “tipos” e imaginando quantas vezes já topei com Edson Papo Furado, Gilbert Chaudanne, Gobbi e tantas outras personalidades que costumavam desfilar de peito aberto por ali, se sentindo em casa, como de fato sempre estiveram.

Atualmente vou pouco a Vitória, mas hoje tive que comparecer a uma Sessão Extraordinária do Tribunal Regional do Trabalho e, cumprido o compromisso, resolvi levar meu celular para um reparo ali na Costa Pereira. O John, técnico dos mais competentes, me prometeu entregar o aparelho em uma hora, tempo suficiente para uma perambulada.

Saí da Costa Pereira pegando a Graciano Neves e logo ali, em frente à Expressa, começou meu drama. O tal idoso perguntava a duas senhorinhas como fazer para chegar à churrascaria Senna e eu, bom e educado moço que sou, me dispus a ajudar.

Acostumado, desde sempre, a conviver com os deficientes visuais (viram que fino?), me lembrei de algumas regras básicas: não falar muito alto (eles são cegos, não surdos), não trata-los como aberrações e, sobretudo, jamais, em hipótese alguma mesmo, tentar pegar um cego pelo braço. Se ele precisar vai tocar no seu ombro com a mão que não segura a bengala e se orientar bem, mas tocar, nem pensar.

Ocorre que o “meu” cego estava, como disse, com duas bengalas, uma em cada mão e, para piorar, não tinha o menor sendo de direção. O ceguinho andava como se fosse um carro com pneu furado, “puxando” para a esquerda. O problema é que o lado esquerdo daquela calçada, até chegar à galeria que fica ao lado do Banestes, onde a gente cruza para chegar ao destino do idoso, é um terror, com declives horríveis servindo de entradas de garagens.

Aí é que lascou de vez: eu via o perigo, falava com o velho “direita” e ele virava para a esquerda; “vai reto”, ele virava para a esquerda; cuidado, ele virava para a esquerda. Numa rampa maior e mais íngreme achei que o velho fosse se estatelar e não aguentei: segurei forte o braço dele e puxei. A resposta foi uma leve bengalada na canela, que achei que fosse não intencional.

Mais adiante chegamos à entrada da galeria e acabei levantando o tom de voz para alertá-lo de um carrinho de mão que a bengala não detectava e a sombrinha marcou presença no meu sapato (essa eu desconfiei que foi de propósito).

O lado esquerdo da galeria, por onde o diabo do velho insistia em passar, era o pior, cheio de obstáculos e eu, calmamente, o alertei: direita meu senhor, direita, donde o raio do cego berra: “direta é o cacete!!”. Eu ainda insisti: “como, meu senhor?”. “Come nada, você é safado e direta é o cacete!!!”

Daí em diante foi um festival de bengala e sombrinha chispando o ar de fazer inveja a d'Artagnan e todos os mosqueteiros ele andasse ao som de palavrões que eu nem sabia que existia. Enquanto a bengala de madeira grossa vinha feito hélice por cima, a sombrinha virava lança por baixo. O velho e suas armas pareciam ter se multiplicado.

Eu? Eu corri, gente. E corro mesmo.

Juro que não sei o que fiz para despertar a ira do velho cego esquerdista e estou assustado até agora, mas tenho certeza de que se encontrar com ele de novo só terei uma reação: correr!

segunda-feira, 15 de abril de 2013



OS KRAMER E O MELHOR INTERESSE DO MENOR

Os anos eram os setenta. O final dos setenta, para ser mais exato. Lá fora a queda de Reza Pahlavi e ascensão de Komeini indicavam um recrudescimento no fundamentalismo religioso e um freio nos ares de liberdade, que começavam a soprar no Oriente. O preço do petróleo subia como resposta dos árabes e muçulmanos da OTAN ao constante apoio dos EUA a Israel e isto permitia que a União Soviética gozasse de um certo conforto, pois detinha-o em abundância, o que ainda lhe permitia espalhar o ideal comunista mundo afora. A reboque de tais ideais, uma nova ordem social começava a se formar.

No Brasil a ditadura militar começava a dar claros sinais de cansaço e, no campo da cultura, sobretudo na música, alguns grupos começavam a ter coragem de deixar as garagens e colocar o pé na estrada.

A sociedade começava a experimentar mudanças, mas ainda vivia o modelo clássico, constituído por um pai provedor que trabalha, uma mãe que cuida das crianças e os filhos, que devem respeitar os mais velhos, mastigar com a boca fechada, tirar boas notas na escola e não atrapalhar o descanso do papai.

O pai, melhor dizendo, o marido, também chamado “chefe de família” ou “cabeça do casal”, era, em conformidade com o artigo 233 do Código Civil então vigente, “o chefe da sociedade conjugal”, competindo-lhe o direito de ser o representante legal da família, a administração dos bens comuns e, em alguns casos, até mesmo dos particulares da mulher. Detinha o marido até mesmo o direito de fixar o domicílio da família e a contrapartida que se lhe exigia era a manutenção da casa.

A mãe, mulher, era relegada ao papel de coadjuvante, de auxiliar do marido na condução da família e nada mais. Vale lembrar o que dizia o artigo 240, do Código Civil que vigorou em nosso país até há 10 (dez) anos: “A mulher, com o casamento, assume a condição de companheira, consorte e colaboradora do marido nos encargos da família, cumprindo-lhe velar pela direção material e moral desta.”

Tudo era muito claro: o pai (marido) era o chefe da família: trabalhava, trazia comida para casa, não precisava dar satisfações a ninguém e, cumprindo seu papel, tinha todo o direito de beber com seus amigos e a descansar quando bem lhe aprouvesse.

Já à mãe (mulher) competia lavar, cozinhar, limpar a casa, cuidar das roupas do marido e, sobretudo, cuidar dos filhos, o que envolvia desde dispensar-lhes os cuidados mais óbvios como também cuidar da saúde, higiene, tarefas escolares.  A verdade é que tudo o que envolvesse as crianças era atribuição exclusiva da mãe.

Pois foi exatamente nessa época que o diretor Robert Benton chocou o mundo ao levar às telas o romance do escritor Avery Corman, Kramer vs Kramer.

Ted Kramer, vivido por Dustin Hoffman é o típico “chefe de família” e acredita que ser um bom marido é cumprir a função de provedor: encarar o trabalho como começo, meio e fim da vida, pouco se importando se sua mulher ou se seus filhos querem ver nele algo além de alguém que traz a caça para a caverna. Sua mulher, Joanna Kramer, no papel que rendeu o primeiro Oscar a Meryl Streep, não acha que a postura de Ted seja suficiente e, não suportando mais a situação, sai de casa e deixa aos cuidados do marido o filho do casal, Billy, interpretado de forma emocionante pelo garoto Justin Henry.

A vida de Ted vira do avesso e ele, pela primeira vez, percebe que nem só de pão vive o homem, nem tampouco a mulher e os filhos. Habituado a uma rotina em que nada cabe senão o trabalho, passa a ter que dar conta de prover todas as necessidades de seu filho, desde escovar os dentes ao acompanhamento do desenvolvimento socioeducativo, passando pela limpeza das roupas, comida, enfim, tudo.

Ted Kramer pena e, quando consegue se adaptar e oferecer o melhor ao seu filho, a mãe, Joanna, reaparece disposta a recuperar seu rebento a todo custo, inclusive pela via judicial.

A causa seria bem fácil, afinal Joanna era a mãe, o que lhe garantiria um direito quase divino de tomar o filho de volta. Ora, não eram as mulheres as escolhidas para cuidar das crianças?

O fim, como todos sabem, não foi bem este.

Naquela época o roteiro causou assombro, já que era totalmente atípico e até certo ponto radicalmente contra a cultura e os hábitos dominantes, um pai ter mínimas chances de numa disputa judicial garantir a guarda do filho.

Hoje, entretanto, a realidade é outra e situações como a do filme são até mesmo corriqueiras.

De fato, com a evolução de nosso ordenamento jurídico, fruto da evolução das próprias relações sociais, leis como o Novo Código Civil, que entrou em vigor em fevereiro de 2003, e o Estatuto da Criança e do Adolescente, em vigor desde dezembro de 1990, atenderam aos anseios da sociedade e começaram a focar mais objetivamente no bem da vida a ser juridicamente tutelado. No caso das questões envolvendo menores, estes passam a ser o objeto da lei, ganhando relevância o denominado “melhor interesse do menor”, expressão cunhada a partir da Declaração Universal dos Direitos da Criança, proferida pela ONU em 1959 e aqui traduzida equivocadamente como “o interesse superior da criança”.

O texto original do princípio II da declaration of the rights of the child é claro quando usa a expressão “the best interests of the child” em vez da acima apontada.

Mas o que, afinal, é o melhor interesse do menor? O que deve ser levado em consideração pelos legisladores na elaboração de leis e dos magistrados na sua aplicação?

Os doutrinadores não conseguiram uma definição padronizada que agradasse a todos, mas, é possível concluir, pela simples leitura do Princípio II da Declaração Universal dos Direitos da Criança, que a criança é tida como um ser ainda não pronto e, em virtude disso, as ações e decisões relativas a ela devem ser ter como escopo de garantir e enriquecer o seu desenvolvimento.

Aplicar o melhor interesse da criança, assim, seria envidar esforços no sentido de permitir e garantir que o menor “possa desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade”.

A instabilidade, a insegurança, a atribuição de responsabilidades superiores ao que se possa esperar de alguém em certa idade são fatores que certamente impedem o desenvolvimento saudável de alguém, violando tal princípio.

Ted Krammer aprende que cuidar de um filho é muito mais do que simplesmente garantir-lhe a sobrevivência material e se torna apto a garantir seu “melhor interesse”.

Joanna, ao menos aparentemente, também percebe que Ted, não ela, é a pessoa mais indicada para garantir o que é melhor para Billy e faz o que deveria fazer: sai de cena.

Uma caso bem comum nos dias de hoje.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Miopia de conveniência ou deficiência policial?


Ao que tudo indica o Procurador Geral de Justiça do Estado do Espírito Santo quer se notabilizar por não enxergar crime e arquivar inquéritos quando toda a sociedade vê e demanda em sentido contrário.
Onde está Wally?

quarta-feira, 6 de março de 2013