terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

As sacolinhas, o meio ambiente, os imbecis e as avós.



Só há dois lugares no planeta em que as sacolinhas de plástico vagam livres pelo meio ambiente: no filme Beleza Americana e na cabeça dos supermercadistas do Espírito Santo.

Não conheço nada mais reciclável que as famigeradas sacolinhas, que depois de utilizadas para transportar de forma prática e confortável as compras para casa, ainda são empregadas para acondicionar produtos a serem levados ao freezer, como saco de lixo de pia, banheiro e até mesmo de toda a casa, além de um sem número de outras utilidades que podem surgir na cabeça de cada um (falando em cabeça de cada um, o Capitão Nascimento também usa a sacolinha, como você poderá ver em Tropa de Elite).

A grande verdade é que ninguém chega em casa do supermercado e joga as sacolinhas ao léu. Nada é mais reciclada do que elas.

Daí que o argumento ambientalista utilizado pelos que querem simplesmente cobrar (em dobro) pelas sacolinhas é de uma falta de honestidade impressionante.

As sacolas normalmente são remetidas, envolvendo lixo, para o depósito, onde podem ser retiradas do ambiente e devolvidas de forma reciclada, até porque os sacos plásticos de lixo não biodegradáveis continuam sendo vendidos nos mesmos supermercados que de repente foram convertidos ao Neo Greenpeaceismo.

A ganância é impressionante e não tenho nada contra quem gosta de ganhar dinheiro, mas acho completamente desnecessário pisotear na inteligência do povo para tanto.

Ah, façam-me o favor, chamem suas avós de imbecis, pois eu estou fora!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A porra do obsessivo é uma merda!


Daí que a mamãe volta a trabalhar e o pequeno, já com mais de quatro anos de idade, resolve que pode voltar a fazer cocô na cueca, hábito que abandonara há tempos.

Evidente que este tipo de situação preocupa e angustia qualquer um, principalmente aos que, impregnados dos conceitos freud-lacanianos, sabem bem que o que está em jogo é, em verdade, uma oferta. Uma oferta de merda, mas uma oferta.

Sim, não se engane, as fezes da criança são um belíssimo e generoso presente e que atire a primeira fralda suja a mamãe que nunca ficou ansiosa para ver a cor, a consistência e até mesmo o cheiro da preciosa oferenda, mesmo que o propósito fosse apenas saber se não há qualquer problema de saúde com o pequeno (sim, as mães conseguem ver se está tudo ok pelas fezes).

A pergunta é: que merda é essa?

Na psicanálise a denominada fase anal (e mesmo as fezes) tem estreita relação como que se convencionou chamar de “neurose obsessiva” e já foi até mesmo dito que “a porra do obsessivo é uma merda”[1], mas sinceramente temos dúvidas de que o fato de a merda do obsessivo ser comparável à porra indica a necessidade de gozo ou de prazer.

É que no seu Seminário 20 Jacques Lacan é de extrema clareza ao prescrever que o gozo é uma intervenção do superego, o que deixa mais do que certo de que gozar não é sinônimo de ter prazer, mas, ao contrário, de parar de ter prazer (fato é que ninguém começa pelo orgasmo, não é verdade?). 

Há um detalhe que escapa à simplificação da dicotomia do ter ou não ter (prazer) e nos remete à  shakespeareana noção do ser ou não ser (capaz de sentir prazer): é o obsessivo capaz de sentir prazer e de dar conta de tal “sentimento”?

Novamente invocando Lacan lembramos que em seu Seminário 5 ele sustenta, com evidente suporte em Freud, que o obsessivo sofre precocemente a desfusão dos instintos, de tal sorte que a necessidade de sobrevivência se sobrepõe à de sentir prazer, ou, pelo menos, à de demonstrar que é capaz de sentir prazer.

Sentir prazer, neste caso, é privar-se da sobrevivência já que, em vista da desfusão dos instintos de sobrevivência e de prazer, onde um habita o outro não pode entrar[2].

O obsessivo é aquele que, em nome da sobrevivência, se “coisifica”, se torna coisa, mero objeto e, como tal, inanimado, sem ânimo, sem desejo, sem prazer.

Sem prazer, sem desejo ou proibido de ser um ser que demonstre o que realmente é?

Ser desejante é opor-se ao status de coisa, de objeto, de alvo, assumindo o papel de flexa.

Objeto não é, não sente, não pensa, não enxerga e, sobretudo, não diz, não demonstra.

Objeto, se é sujeito, é sujeito passivo, que recebe, que espera, que não se move, mas espera ser transportado. E espera, espera, espera.... Não chora pelo peito da mãe, espera que ela, quando sente desejo de amamentar, o faça. Ele não precisa fazer nada, e nem pode. Se sentir fome e chorar, manifestando seu desejo, receberá não o objeto de seu desejo, mas um chá de erva-doce ou um luftal ou, quando, nada uma visita ao (ou do) pediatra que, com seu estica-e-puxa inconveniente, deixará bem claro que alguma coisa está errada com a saúde do bebê-objeto, que a manifestação do desejo representa risco de vida, ameaça à sobrevivência.

A mamãe gulosa do bebê-objeto o toma como suplente daquilo que acredita capaz de suprir sua falta, em evidente atitude de afronta e provocação ao que sabe que realmente (supostamente) preenche seu vazio e, num caso desses, é melhor se fazer de morto e, mais que isso, se fazer de nada, pois ele é colocado num lugar que sabe não lhe pertencer. O pai, o homem da mãe, existe, mas não está lá e então o lugar é dele, bebê, e “enquanto seu lobo não vem...”

Um movimento, uma demonstração de vontade (desejo), tem o condão de fazer com que sua posição, por claramente precária, deixe de se sustentar. Há um pacto velado: decifra-me enquanto te devoro. O movimento de decifração é tão lento quanto o de devoração e a solução do enigma é postergada. Enquanto isso, o que alimenta destrói.

Há um momento, entretanto, em que o prazer é permitido, por esperado e desejado.

Na dita fase anal, em que o prazer de controlar os esfíncteres cessa com a exibição da merda, prazer e gozo se combinam para a satisfação da gula materna e delírio para os olhos atentos desta.

A merda é desejada, esperada, querida e aguardada ansiosamente. Há uma possibilidade de prazer (o controle do esfíncter anal) e uma necessidade de gozo (mostrar a merda).

O objeto está ali, pronto para ser devorado, totalmente disposto a entregar seu corpo à gula alheia e consegue salvar a pele no último minuto, ofertando não o seu corpo, mas seu resto, seu excremento. A fase passa, mas a linguagem é constituída justamente de momentos que passam.

Na ortografia que se funda no instante da cagada está a solução para o enigma que consome o ser-objeto, momento único em que sentir prazer e coisificar-se é completamente possível.

E assim caminha a humanidade...

Proibido de demonstrar seu prazer, não pode ficar o obsessivo, entretanto, sem o gozo, que marca o fim de sua própria existência, que lhe dá contorno e forma e que, de algum modo, denota a inscrição rota do nome-do-pai.

Daí é que o obsessivo, quando sente que consegue desejar, tem que, para demonstrar suas fronteiras, oferecer o pior de si, em resumo, tem que fazer merda.

Eu não sei se a solução é a ideal, mas confesso que gostei muito quando vi a Kátia, minha esposa, colocando nosso pequeno para lavar a cueca suja e, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, me saindo com a Santa Pérola: “mas não foi ele quem fez a merda? Então ele que se vire para limpar a merda que faz.”


[1] A frase é do psicanalista José Nazar e é frequentemente dita por ele em suas palestras e seminários.

[2] creio eu que quando a desfusão não é precoce, mas “normal”, aprende-se que um não atrapalha o outro mas que, ao contrário, um pode levar ao outro ou, quando nada, um pode ser encarado, sem sobressaltos, como distinto e independente (não antagonico) do outro.