(A Crônica de Rubem Braga, do Livro A Borboleta Amarela)
Me perdoem a inconfidência,mas não pude resistir a colocar esta crônica, que diz de minha família, por aqui.
Também não revisei e colei do jeitinho que copiei.
Não, a Prefeitura não espalhou pela cidade e equipes de ouvidores municipais, encarregados de tomar nota cada vez que uma avezinha pia. Trata-se de pios feitos por caçadores. E quem os faz e uma família de caçadores de ouvido fino - os Coelho. Três gerações moram na mesma e linda ilha, onde o rio se precipita naquele encachoeirado, ou cachoeiro, que deu o nome à cidade.
Trata-se de um artesanato sutil; não lhe basta a perícia técnica de delicados torneiros que faz, desses pios bem acabados, pequenas obras de arte; exige uma sensibilidade que há de estar sempre aguçada. que e uma arte assassina; e na verdade, incontáveis milhares de do Brasil e da América do Sol já morreram por acreditar, em um mo de fome ou de amor, naqueles pios imaginados entre os murmúrios do Itapemirim.
Dizem que os Coelhos fazem até, em segredo, pios para caçar mulheres. Famosa caçada é essa, em que não raro é o caçador a presa da caça. Ainda que eu seja Coelho pela parte de mãe, devo ser de outro visto que nunca me deram um pio desses. Nem quero.
De minha família acho que saí mais ao tio segundo Quinca Cigano nascido na lavoura mas vivido pelos caminhos, e que vivia de barganhar. Barganhava uma coisa por outra, e depois mais outra; e não sei o arrumava, que depois de muito andar pelo mundo, voltava sempre ao Cachoeiro, tendo apenas de seu um cavalo magro e triste. Chegava se de noite, como um ladrão; e, como um ladrão, dava a volta por cima do morro e ficava parado, no escuro, atrás da tela da cozinha, esperando. Quando minha mãe ia à cozinha fazer o último café, Quinca Cigano lá do escuro, murmurava seu nome. Ela se assustava; mas ele logo dizia, com sua voz que a poeira dos caminhos e a. cachaça das vendinhas faziam cada vez mais rouca: “É Quinca".
Maio, 1951
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