terça-feira, 31 de maio de 2011

Ideologia, Escola e Linguagem




IDEOLOGIA

Uma das formas mais seguras e eficazes de que pode se valer um determinado grupo para exercer dominação sobre outro é impor seus ideais, cultura, valores, enfim, sua ideologia.

Segundo CHAUI uma das características da ideologia é gerar a “a suposição de que as idéias existem em si e por si mesmas desde toda a eternidade” sendo, conseqüentemente, inquestionáveis. Afinal, de que vale ao homem questionar o que é pertencente à natureza? Por que razão alguém precisaria se voltar contra algo que sempre foi daquele jeito e que, portanto, é imutável?

Ainda segundo a filósofa “o que torna objetivamente possível a ideologia é o fenômeno da alienação”, conquistado por meio de mecanismos que levem o homem a crer que suas condições reais de existência social não são objeto de sua própria construção, mas obtidas graças a fatores alheios à sua própria vontade, tais como religião, Estado, natureza, “sociedade” e tantos outros normal e naturalmente tratados na terceira pessoa.

O homem, sem se aperceber disto, ignora, por exemplo, o Estado como fruto de seu próprio convívio com outros seres da mesma espécie e passa a personificá-lo, alienando de si o próprio Estado, isto é, perdendo a noção do Estado como fato e o tratando como ente personificado alheio, além de seu próprio ser.

Ainda bebendo em CHAUI é possível dizer que não basta que a classe dominante conceba suas próprias idéias, sendo fundamental que consiga convertê-las em idéias comuns a todos, de tal forma que ninguém seja capaz de questionar a própria origem daquele modo de enxergar a vida.

Quando o trabalho de implantação da ideologia é bem feito ninguém é sequer capaz de imaginar que pensa e age de uma determinada maneira graças ao ideal de outra pessoa. Não é possível perceber a prisão e o estado de alienação a que se está submetido.

A esta altura é possível presumir que a forma de que se vale a classe dominadora para distribuir seus ideais é tomando, primeiro, os meios de comunicação. Presunção equivocada, pois ouso dizer, ainda na companhia de CHAUI, que além da utilização dos meios de comunicação disponíveis, essa distribuição é feita pelos costumes em geral, pela religião e, sobretudo, por intermédio da educação.


DA LINGUAGEM

Parece existir um certo consenso entre os estudiosos do tema no sentido de que o ser humano passa a se distinguir de outros animais (e até mesmo daqueles com características biológicas semelhantes) quando começa a fazer uso da linguagem. Um castor ou um joão-de-barro são capazes de construções relativamente complexas, com utilização de materiais encontrados na natureza; as abelhas possuem um sistema de sinalização capaz de permitir que o grupo localize flores e os primatas, de modo geral, tem condições de utilizar determinados objetos como ferramentas.

Nenhuma outra espécie, a não ser o homem, é capaz de objetivar sua subjetividade e permitir que outro homem tenha consciência do que a subjetividade alheia tentou expressar. É por meio da linguagem que a sociedade se faz, sendo inconcebível a existência de uma sociedade sem ela.

Concordo plenamente com BERGER e LUCKMAN quando afirmam “a vida cotidiana é sobretudo a vida com linguagem [...]” e que a compreensão da linguagem é “essencial para minha compreensão da realidade da vida cotidiana”.

Interessante estudo neste sentido é conduzido por PENNA, que chega mesmo a considerar que “o modo como percebemos o mundo é previamente delimitado pela estrutura lingüística da qual participamos”.

Demonstração de que o sujeito é dependente de uma estrutura simbólica que lhe antecede é fornecida por LEITE, que faço questão de transcrever por sua precisão cirúrgica:

Por exemplo, o nome que uma pessoa recebe ao nascer já tem um sentido dentro de uma cultura, um sentido preestabelecido, logo o sujeito significará seu nome com sentidos que não pertencem a ele. O sujeito será constituído por uma ordem simbólica que lhe é exterior, que já está aí e que lhe é constitutiva.

A linguagem interfere diretamente na formação do sujeito e na sua própria concepção do mundo e da realidade, pelo que não é descabido dizer que conquista um povo quem manipula sua linguagem.

Os motivos que levam alguém (indivíduo ou grupo) a essa busca podem ser os mais variados, mas na base de todos está a ideologia, a normalização de um comportamento social eliminando o outro, numa verdadeira relação de dominação.


EDUCAÇÃO

A pergunta que se faz, então, é o que é educação e para que se presta.

Segundo FUJITA, as primeiras escolas surgiram há aproximadamente 2.400 anos, mas é possível afirmar que desde o ano 4.000 a.C., quando os sumérios teriam desenvolvido a escrita cuneiforme, os pais já transmitiam este saber aos seus filhos.

Ainda conforme FUJITA as primeiras escolas, surgidas no Século 4 a.C., “eram locais onde mestres ensinavam gramática, excelência física, música, poesia, eloqüência, mas não existiam salas de aula no sentido atual”, como se faz notar a partir do Século 12, nos moldes em que criados por “instituições de caridade católicas que ensinavam a ler, escrever, contar e, junto, iam transmitindo as lições do catecismo.”

Sobre o papel da escola hoje, ouso transcrever trecho de artigo de ALMEIDA, que entendo cercar bem todo o tema:

Assim, podemos falar em funções instrucionais, precisamente a imagem mais freqüente da escola por parte da sociedade e das famílias (incremento da informação dos sujeitos, aquisição de conhecimentos curriculares), funções de desenvolvimento e de socialização (desenvolvimento de atitudes e competências, integração social), funções de custódia (suporte a uma família de número reduzido de elementos na qual ambos os pais trabalham, controle social), funções de certificação (empresas e outras instituições tomam os créditos, diplomas e certificados escolares na seleção dos seus quadros) e funções de estratificação social (toda a escolaridade, por níveis sucessivos de exigência e de seleção, é também uma forma de se estratificar uma sociedade).

 Nesta mesma linha de pensamento, se entendemos aprender como “construir conhecimento estável e com significado pessoal”, temos que considerar que “a escola e o professor estejam capazes de desenvolver nos alunos capacidades, atitudes e comportamentos de maior autonomia na regulação dos seus comportamentos escolares” e, mais do que isto, sociais.

Por qualquer ângulo que se observe a questão a resposta é uma só: a educação tem como fim transmitir a uma nova geração o conhecimento construído pelas gerações passadas e o meio de que se vale para isso é a escola.


A TRANSMISSÃO DA IDEOLOGIA

Para que uma classe dominada não seja sequer capaz de questionar o domínio da outra, uma das coisas que precisa ser controlada é sua forma de enxergar o mundo.

Ora, como dito acima, a estrutura lingüística de um povo é determinante na sua forma de perceber a realidade, de tal sorte que quem detém controle sobre a formação da linguagem detém, evidentemente, controle sobre a forma de percepção daquele indivíduo.

Se uma classe detém o poder é de se esperar que tenha controle sobre os meios de transmissão do conhecimento, podendo, assim, impor seu pensamento ideológico.

Se a esta altura eu perguntar ao mais atento leitor quem tem obrigação de dar educação às nossas crianças a resposta certamente será “o governo”, um ente que mesmo despersonalizado é tratado na terceira pessoa como se pessoa fosse.

É isso que faz a ideologia: deixar certo em nossas mentes que determinada coisa é normal e inquestionável.

O “governo”, como representante legitimado da classe dominante, sabe que é assim é cria estruturas administrativas incríveis para que nunca deixe de ser. Alguém é capaz de conceber a educação sem um Ministério da Educação? Uma Secretaria de Educação?

Está montada toda a estrutura para que a ideologia seja transmitida de forma pacífica e indolor.

O problema é que o açodamento de uns acaba interrompendo o fluxo normal, lento e gradual da transmissão da ideologia, levando gente a estirpe de um Arnaldo Niskier a dizer:

A cada dia somos surpreendidos com incríveis inovações na educação brasileira. Tudo é tão estranho que parece uma armação para que continuemos a patinar nas piores classificações internacionais de qualidade do ensino. Cresce a nossa economia, estamos na lista das dez maiores nações do mundo, chega-se a pensar na escolha do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, mas há como que uma força que impele a educação para trás.

Cabe a nós questionar: o que pretende “o governo” quando nos brinda com pérolas como livros escolares que ensinam que “nós pega o peixe” e “os livro ilustrado mais importante estão emprestado”?

Eu sinceramente não sei ao certo, mas não é difícil supor que detrás de uma inocente busca de se afastar um suposto preconceito lingüístico há uma escancarada tentativa de dominação, de imposição de uma ideologia, por meio do controle da linguagem.


CONCLUSÃO

Fica difícil afirmar com precisão o que se pretende com uma flexibilização exacerbada da linguagem, sobretudo quando isso surge a partir de um incentivo, transmitido na escola e com utilização de livros apoiados e fornecidos por quem detém a estrutura administrativa educacional, detendo, conseqüentemente, não só os meios de transmissão do conhecimento, como o próprio poder de normatizar esta transmissão, para que o código simbólico previamente estabelecido seja rompido.

A complacência lingüística seria uma forma de incutir uma complacência generalizada com tudo o que vem de cima?

Estaríamos diante de uma forma velada de flexibilização na nossa percepção da realidade, de modo que não exista diferença entre certo e errado e cada um possa fazer o que bem entende, desde que impinja ao outro a prática de bullying?

Ainda não fechei questão sobre o tema, mas por enquanto penso que aceitar que “nós pega o peixe” é negar que nós pegamos o peixe, o que me remete a LACAN, para quem “desde que existe grafia, existe ortografia”


REFERÊNCIAS

Imagem obtida em http://t3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQ2ABOC7LFbXfvjVyKrNyOVQcIU_UJLb2DhKe3jnuYgiLw9scC5mg

ALMEIDA, Leandro S.. Facilitar a aprendizagem: ajudar aos alunos a aprender e a pensar. Psicol. Esc. Educ. (Impr.),  Campinas,  v. 6,  n. 2, dez.  2002 .  

BERGER, Peter L.; LUCKMAN, Thomas. A construção social da realidade. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

CHAUI, Marilena. O que é ideologia. Brasília: Brasiliense, 1996.

FUJITA, Luiz. Qual foi a primeira escola? Artigo publicado no site Planeta Sustentável, de responsabilidade da Editora Abril. Disponível em http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/cultura/conteudo_289910.shtml. Acesso 27 MAI 2011.

LACAN, Jacques. Referência não identificada plenamente. Disponível em http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0610593_10_postextual.pdf. Acesso 31 MAI 2011.

LEITE, Márcio Peter de Souza. O simbólico. Artigo publicado no site Márcio Peter – Conexão Lacaniana. Disponível em http://www.marciopeter.com.br/links2/psilacan/psilacasimbolico.html. Acesso em 25 MAI 2011.

NISKIER, Arnaldo. Por uma vida pior. Artigo publicado no site do Jornal A Gazeta na Internet. Disponível em http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2011/05/noticias/a_gazeta/opiniao/859256-arnaldo-niskier-por-uma-vida-pior.html. Acesso em 27 MAI 2011.

PENNA, Antônio Gomes. Percepção e realidade. 7ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1997.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

MacBeth - Um caso clássico de estresse.


UM CASO CLÁSSICO DE ESTRESSE


A tragédia Macbeth, de Willian Shakespeare (2003) é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores clássicos de todos os tempos da literatura universal.

O objetivo do presente trabalho é fazer uma análise do estresse de que é acometido a personagem principal, mostrando suas causas e conseqüências, a partir de algumas cenas da tragédia.


A OBRA

Macbeth é um glorioso general do exécito de Duncan, rei da Escócia, que, após uma sangrenta batalha é abordado por três bruxas que lhe revelam uma profecia: além do título de nobreza que já ostentava, o de Barão de Glamis, ele seria, também, Barão de Cawdor e Rei da Escócia, mesmo não guardando consangüinidade com Duncan. Ocorre que as bruxas revelam, também, que filhos de Banquo, outro general escocês, também seriam reis, ainda que Banquo não o fosse.

Dizem as bruxas, ainda, que nenhum homem parido por mulher poderia fazer mal a Macbeth.

De fato Macbeth, ao final da tragédia, é morto por Macduff, arrancado à força do ventre da mãe antes do tempo.


O ESTRESSE

Na cena III do primeiro ato as Irmãs Bruxas do Destino saúdam Macbeth como Barão de Glamis, de Cawdor e como futuro Rei. Banquo, que estava com ele, nota que ele se altera: “Banquo – Meu bom senhor, por que sobressalta-se? Por que parece o senhor temer palavras que soam tão auspiciosas? Em nome da verdade, é fantasioso o senhor ou é realmente aquele que mostra ser por fora?[...]”

Macbeth sobressalta-se, altera seu comportamento, porque percebe que algo pode mudar em sua vida.

Para WEITEN (2002) estresse pode ser definido como “[...] quaisquer circunstâncias que ameaçam ou são percebidas como ameaçadoras do bem-estar do indivíduo e que, portanto, minam as capacidades de enfrentamento do indivíduo [...].

Esta falta de capacidade de enfrentamento é confessada pelo protagonista:

MACBETH – Fiquem, vocês que se pronunciam de modo tão imperfeito. Digam-me mais: com a morte de Sinel, eu sei que sou o Barão de Glamis, mas como é possível eu ser Barão de Cawdor? O Barão de Cawdor está vivo, um próspero cavalheiro. Quanto a eu ser Rei, está é uma probabilidade na qual não se pode acreditar, mais incrível ainda que eu receber o título de Cawdor. Digam de onde vocês têm essa estranha informação, e por que razão, neste maldito pântano, vêm vocês interceptar nosso caminho com tais saudações proféticas? Falem, estou mandando.

Note-se que ao final da fala Macbeth mostra-se furioso, completamente alterado, justamente por não entender como seria possível que as profecias se realizassem. Ele não tinha capacidade de enfrentar a situação e por isto exasperava-se.


Entendimento relativamente semelhante é apresentado por BALONE (2002), que não vê o estresse apenas como uma circunstância percebida como ameaçadora. Segundo ele:

Devemos considerar o estresse uma ocorrência fisiológica e normal no reino animal. O estresse é a atitude biológica necessária para a adaptação do organismo à uma nova situação. Em medicina entende-se o estresse como uma ocorrência global, tanto do ponto de vista físico quanto do ponto de vista emocional. As primeiras pesquisas médicas sobre o estresse estudaram toda uma constelação de alterações orgânicas produzidas no organismo diante de uma situação de agressão.

Fisicamente o estresse aparece quando o organismo é submetido à uma nova situação, como uma cirurgia ou uma infecção, por exemplo, ou, do ponto de vista psicoemocional, à uma situação entendida como de ameaça. De qualquer forma, trata-se de um organismo submetido à uma situação nova (física ou psíquica), pela qual ele terá de lutar para adaptar-se, conseqüentemente, sobreviver. Portanto, o estresse é um mecanismo indispensável para a manutenção da adaptação à vida, indispensável pois, à sobrevivência.

De qualquer forma, a perspectiva de uma nova situação leva o organismo a realizar as alterações necessárias para que possa se adaptar.


O SISTEMA DE REAÇÃO DO ESTRESSE

Quando nosso cérebro, independente de nossa vontade, interpreta alguma situação como ameaçadora (estressante), todo nosso organismo passa a desenvolver uma série de alterações denominadas, em seu conjunto, de Síndrome Geral da Adaptação ao Estresse. Na primeira etapa dessa situação ocorre uma Reação de Alarme, onde todas as respostas corporais entram em estado de prontidão geral, ou seja, todo organismo é mobilizado sem envolvimento específico ou exclusivo de algum órgão em particular. É um estado de alerta geral, tal como se fosse um susto.

Isto ocorre quando Macbeth vê a primeira das profecias se realizando:

MACBETH – [...] Os temores do presente são menores que as horríveis figuras da imaginação. Meu pensamento, este que em si acolhe um assassínio não mais que fantasioso, sacode de tal maneira o reino de minha condição humana e única, que toda ação fica asfixiada em conjecturas, e nada mais existe, a não ser o que não existe.

O protagonista sente seu corpo e seu pensamento pronto para uma ação. Que ação? Ele ainda não sabe, mas está pronto.

Se esse Estresse continua por um período mais longo sobrevém a Segunda fase, chamada de Fase de Adaptação ou Resistência, a qual acontece quando a tensão se acumula. Nesta fase o corpo começa a acostumar-se aos estímulos causadores do Estresse e entra num estado de resistência ou de adaptação. Durante este estágio, o organismo adapta suas reações e seu metabolismo para suportar o Estresse por um período de tempo. Neste estado a reação de Estresse pode ser canalizada para um órgão específico ou para um determinado sistema, seja o sistema cardiológico, por exemplo, ou a pele, sistema muscular, aparelho digestivo, etc.

Quando Macbeth resolve assassinar Duncan e, portanto, mudar seu destino conforme a profecia, sente nos músculos o estresse:

MACBETH – Encontro-me agora determinado, e tensionada está cada fibra de meu corpo, em prontidão para esse terrível feito. Vamos! Que se enganem os outros com nossa aparência mais serena. Aquilo que sabe o coração falso, a cara deve esconder.

Depois de consumado o ato, o assassinato de Duncan, Macbeth aumenta o seu nível de prontidão de tal forma que tudo o apavora: “MACBETH – De onde vêm essas batidas? O que há comigo, quando todo e qualquer barulho me apavora? Que mãos são estas aqui?”

A ansiedade é de tal monta que o assassino de Duncan sequer consegue dormir. O sentimento de medo de ser descoberto mistura-se com a prontidão necessária para que nada de ruim lhe aconteça. De fato, ele, que buscava se adaptar a uma nova realidade, tem mais motivos agora para aumentar sua prontidão, já que se descoberto pelo homicídio pode sofrer conseqüências nefastas.

Entretanto, a energia dirigida para adaptação da pessoa à solicitação estressante não é ilimitada e se o Estresse ainda continuar, o corpo todo pode entrar na terceira fase, o Estado de Esgotamento, onde haverá queda acentuada de nossa capacidade adaptativa.

Entrando neste estado o agora Barão de Gamis e Cawdor afirma:

MACBETH – Tivesse eu morrido uma hora antes desta fatalidade, e eu teria vivido uma vida abençoada. A partir desse instante, nada há de sério na mortalidade. Tudo são ninharias. A Honra e a Graça Divina estão mortas, o vinho da Vida esgotou-se, o que sobra na adega são meras borras, e é delas apenas que podemos nos gabar.

É evidente que Macbeth tenta, com sua fala, disfarçar ser o autor do crime e convencer seu interlocutor de que estava triste com o fato. Mas, apesar disto, não seria exatamente assim que ele estava se sentindo em decorrência do estresse?

Conforme Ballone (2002), a Síndrome Geral de Adaptação descrita por Selye consiste, como vimos, em três fases sucessivas: Reação de Alarme, Fase de adaptação ou Resistência e Fase de Exaustão. Sendo que a última, Fase de Exaustão, é atingida apenas nas situações mais graves e, normalmente, persistentes.

É importante lembrar que o estresse de Macbeth ainda tem fortes razões para continuar. Com efeito, uma das profecias era a de que os filhos de Banquo também se tornariam reis. Era preciso, então, temer Banquo e seus filhos e, mais do que isto, era preciso estar pronto para enfrentar seu antigo amigo:

MACBETH – Pois inimigo meu ele também é. E nossa disputa é tão letal que cada minuto de vida nele ataca-me em minhas partes mais vitais. Muito embora eu pudesse, com a força nua e crua de meu poder, varrê-lo para sempre de minha vista, tão somente com o aval de minha vontade soberana, encontro-me impedido de assim proceder, pois certos amigos temos os dois em comum, e desses amigos não posso dispensar a afeição.

Macbeth sentia o estresse consumindo suas vísceras. Cada segundo de vida em Banquo representava para ele um segundo de prontidão. Tal prontidão, que parecia não cessar nunca, chegava mesmo a causar-lhe males físicos e até mesmo a perda de apetite.

Com a morte do filho de Banquo, que, segundo a profecia, seria rei no lugar de Macbeth, seu nível de estresse abaixa um pouco e ele consegue se alimentar e sente-se até mesmo mais saudável: “[...] Agora, que a boa digestão preste homenagem ao apetite, e que a saúde homenageie a ambos”.


LIDANDO COM O ESTRESSE

Macbeth usou, para se livrar do seu estresse, a eliminação das causas, ou seja, matou ou mandou matar todos aqueles que, em sua ótica, representavam risco à sua integridade.

Quando soube, no entanto, que isto não tinha bastado, já que os filhos de Duncan eram hospedados por Edward, na Inglaterra, voltou a ter preocupações e, portanto, a entrar em estado de prontidão. Neste momento ele busca uma outra alternativa, chamada por Ellis (apud WEITEN, 2002) de sistema de crenças. Para ele a questão estava em como um evento é interpretado pelo sujeito e, mudando-se a forma de analisar o evento, altera-se o nível do estresse.

Macbeth precisava, para lidar com seu estresse, ter certeza de que não haveria motivos para temer. Procura, então, as três bruxas que invocam fantasmas que dizem a Macbeth que nenhum homem nascido de mulher poderia lhe fazer mal.

A partir do momento em que passou a se acreditar indestrutível por seres humanos, Macbeth relaxou (reduziu seu estado de prontidão). Talvez tenha sido este o seu erro: “MACDUFF – Agora, desespera-te com teu feitiço, e permite que te diga o próprio Anjo de quem és escravo: ‘Do ventre de sua mãe Macduff foi arrancado à força, antes do tempo’”. Macduff não era homem nascido de mulher, mas arrancado dela antes do tempo.

Macduff arranca a cabeça de Macbeth e devolve o trono a quem de direito.


REFERÊNCIAS

BALONNE, G. J. Estresse, PsiqWeb Psiquiatria Geral c2002. Disponível em <http://www.psiqweb.med.br/cursos/stress1.html>. Acesso em 09 dez. 2003.

WEITEN, W. Introdução à psicologia: temas e variações. São Paulo: Pioneira Thompson, 2002.

SHAKESPEARE, W. Macbeth, in Tragédias. São Paulo: Nova Cultural, 2003.


sexta-feira, 13 de maio de 2011




BELEZA AMERICANA

UM FILME QUE É UMA AULA SOBRE O PRECONCEITO




O preconceito não tem cor, não tem cheiro, não tem forma geométrica ou corpo. Apesar disto, poucas coisas estão presentes em nossas vidas como ele.

Apesar de e até pelo próprio fato de ser assim, o preconceito permite as mais variadas visões, inclusive nas artes plásticas, poesias e no cinema.

O objetivo do presente trabalho é, com fundamento em HELLER (2000), analisar a questão do preconceito e sua manifestação em uma cena do filme BELEZA AMERICANA (1999).

American beauty é um tipo de rosa muito cultivada nos Estados Unidos, com uma peculiaridade: ela não possui espinhos nem cheiro, uma metáfora sobre o vazio do americano comum.

No filme, Lester Burham (Kevin Spacey) não aguenta mais o emprego e se sente impotente perante sua vida. Casado com Carolyn (Annette Bening) e pai da "aborrecente" Jane (Tora Birch), o melhor momento de seu dia é quando se masturba no chuveiro. Este publicitário quarentão tem uma vida certinha e totalmente dentro do padrão ideal americano: emprego, mulher, casa e carro. Mas, de repente, descobre que a liberdade é na realidade seu maior sonho.

Um dia conhece Angela Hayes (Mena Suvari), amiga de Jane. Encantado com sua beleza e disposto a dar a volta por cima, Lester pede demissão e começa a reconstruir sua vida, com a ajuda de seu vizinho Ricky (Wes Bentley), filho do militar aposentado Coronel Fitts (Chris Cooper), que definitivamente não aprova a amizade de seu jovem filho com o “quarentão” vizinho.

Numa das cenas a questão do preconceito é mostrada de forma ostensiva: De sua janela o Coronel Fitts vê o seu filho Ricky abaixando-se próximo a Lester que, deitado sem camisa em um divã com uma expressão prazerosa na face.

No pensamento do coronel seu filho praticava sexo oral no vizinho, devendo-se a isto a expressão de prazer estampada em seu rosto.

O que realmente ocorria é que Lester não conseguia enrolar o cigarro de maconha que fumaria com Ricky, que senta-se próximo a ele e abaixa-se para “enrolar o baseado”, fugindo do campo de visão do pai.

O PRECONCEITO


Para HELLER (2000) “o preconceito é a categoria do pensamento e do comportamento cotidianos”. No Dicionário Aurélio (1999) aparece com a seguinte definição: “1. conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos; idéia pré-concebida”

No nosso dia a dia praticamos atos tão distintos e passamos por tantas situações diferentes que é impossível não agir a partir de uma formulação de idéias prévia. Se um sinal de trânsito está fechado atravessamos a rua com tranqüilidade, pois temos a concepção prévia de que o automóvel que trafega por aquela via irá parar antes da faixa de pedestres. Oferecemos um doce a uma criança, pois em nosso pensamento ela irá gostar da oferenda.

O problema é que nem sempre os carros param ao sinal vermelho e nem todas as crianças se interessam por balas, o que pode levar a situações drásticas e constrangedoras.

No filme analisado o preconceito é a tônica: o casamento persiste não porque é bom ou porque os protagonistas gostam de viver juntos, mas porque isto é um dever social. Trabalha-se não para realizar sonhos, mas para manter um status.

Quando o protagonista (Lester) resolve abrir mão de conceitos e pensamentos a si impingidos, agindo conforme sua análise pessoal dos fatos, entra num universo problemático, em que as regras são estabelecidas durante o jogo e mudam a cada instante.

No mundo das regras prévias ele não pode namorar a amiga de sua filha porque ela é bem mais nova que ele e porque ele é casado. Ele não pode largar seu emprego porque na escala social tem “o” emprego. Sua vontade de trabalhar como vendedor de lanches não vale a pena.

Acreditar em conceitos previamente formulados é, de certa forma, confortável. Nesta linha, o preconceito age de forma semelhante à fé: temos a necessidade de crer em algo que nos conforte e nos confortamos porque agimos conforme as regras da nossa fé.

Na cena do filme em destaque é, de certa forma, confortável ao Coronel saber que seu filho é homossexual e pratica felação com o vizinho, mesmo que isto em verdade não ocorra. Com efeito, o bem maior para ele é dar ordens ao filho e ter suas ordens acatadas, o que somente não ocorreria se ele fosse um anormal. Na sua visão um homossexual é um anormal e seu filho, sendo um homossexual é um anormal, o que justifica o fato de não aceitar as ordens do pai. Ter uma explicação para uma ocorrência contrária às nossas expectativas não deixa de ser confortável.

Por outro lado, Lester vacila ao demonstrar sua fulminante paixão pela jovem amiga de sua filha, pois tem como certo que adolescentes não se relacionam com adultos. Esta fé, esta crença impede seu desgaste e evita, na sua prévia concepção, que ele sofra um desgaste ou uma decepção. Ele não age como quer, mas tem o conforto de saber que não era para agir mesmo. Como bem afirma HELLER (2000), “crer em preconceitos é cômodo porque nos protege de conflitos”.

Já o relacionamento de Lester com Ricky está baseado (sem trocadilhos) na confiança. Um se lança em direção ao outro porque sabem o que esperar um do outro. Eles assumem uma postura de diferença em relação à sociedade de uma forma geral, agindo em conformidade com o que pensam. Esta semelhança de pensamentos, que parte do plano da consciência, faz com que tenham, um em relação ao outro, o conceito prévio de que não serão atingidos um pelo outro. Confia-se com base em experiências passadas e projeta-se a crença para o futuro. O fato de serem usuários de maconha, e de se tratar de uma substância proibida, por exemplo, faz com que um “imagine” que o outro não irá chamar a autoridade policial, já que ambos partilham do mesmo prazer.

Igualmente à fé, a confiança também tem o condão de gerar tranqüilidade e segurança ao homem. A diferença está no fato de uma (a fé) ir de encontro ao que realmente se sabe e a outra (a confiança) ir ao encontro do saber. Na fé não se sabe, mas se acredita. Na confiança se acredita porque, com base em uma construção lógica (experiências passadas, associações etc), se sabe.

É de extrema relevância destacar, com base em HELLER (2000) que a maioria dos preconceitos são obra da classe dominante, ou seja, produtos da ideologia. Como bem afirma GUARESCHI (2002), “a ideologia, no seu dia-a-dia, vai criando significados, sentidos, definições de determinadas realidades. Esses significados e sentidos tem sempre uma conotação de valor”. O valor, é óbvio, é tido como bom quando interessa à classe dominante e ruim quando não.

Nesta linha podemos afirmar, com HELLER (2002), que o preconceito impede a autonomia do homem. Note-se que um homem que age exclusivamente com base no que acreditava antes da ação acaba por não ter condição de extrair da ação em si um novo ensinamento. Ora, não se aprende o que já sabe e, se já se sabe, por que notar o novo? O homem torna-se, desta forma, prisioneiro de suas crenças e conceitos, deixando de agir conforme a situação exige e agindo exclusivamente da forma que considerava correta com base em sua própria ideologia, que pode ou não corresponder à verdade. 

Há que se discutir, ainda, a questão da intolerância. No filme em destaque o Coronel assassina Lester. O motivo? Não suportava a relação que este mantinha com seu filho. A idéia de que o filho, treinado para enxergar no pai uma figura suprema, pudesse ter apreço por outro homem era insuportável para ele. Não suportar a idéia, o pensamento, o comportamento e determinadas característica do outro, pelo simples fato de serem diferentes das nossas é o que podemos chamar de intolerância.

HELLER (2000), no entanto, nos lembra que a intolerância não é necessariamente ruim. De se ver que quando se adota a tolerância como forma constante de comportamento assume-se uma posição passiva. O homem que simplesmente aceita tudo o que vem do outro não constrói a si mesmo e corre o sério risco de tornar-se escravo da ideologia.

A partir do momento em que construímos nossas idéias e formamos nossa concepção da realidade, o excesso da tolerância pode significar abrir mão do que conquistamos. Por outro lado, quando toleramos na medida certa ficamos abertos à realidade do outro, que pode servir até como complemento ou forma de robustecer a nossa própria visão.

Fato é que viver dirigido pelo preconceito, com a intolerância no encalço todo o tempo, é uma forma de ter a liberdade de escolha reduzida, estreitando a margem real de alternativas de vida.

O protagonista do filme, Lester, resolve se libertar de seus preconceitos e viver conforme suas próprias escolhas. Paga com a própria vida. Não é fácil desafiar o cotidiano.

Não há uma fórmula pré-estabelecida para fazer com que o homem abra mão de seus preconceitos, até porque nem sempre ele realmente sabe que está agindo de forma preconceituosa.

Muitas vezes esta noção somente vem depois. Somente quando passamos a enxergar sob um outro ponto de vista é que temos a noção de que sustentávamos uma idéia preconceituosa, que mantínhamos e éramos mantidos por um preconceito.

Quando se cansa de seu vazio Lester enxerga que a mulher o traia, que seu emprego não lhe dava satisfação, que sua vida era realmente como a flor que empresta o nome ao título do filme: linda, mas sem cheiro e sem espinhos.

Abrir mão do preconceito é enfrentar o que BERGER e LUCKMAN (2002) chamam de mundo problemático, abrir mão da realidade da vida cotidiana, que não requer maior verificação e que se apresenta como real. É menos problemático impedir que um excelente jogador de futebol homossexual ingresse no nosso time do que lidar com o medo (absurdo) de ser “atacado” por ele no vestiário.

Abrir mão do preconceito é abrir mão de nossas próprias verdades ou, melhor dizendo, daquilo que aceitamos como verdade. Isto é doloroso. Sair da caverna, como nos lembra Platão, envolve dor nos olhos e nos músculos atrofiados pelo desuso.


CONCLUSÃO


Feita a análise acima, podemos concluir que o homem somente pode ser realmente alguém quando se dispõe a correr o enorme risco de enxergar a realidade em todos os seus aspectos, abrindo mão da visão ilusória previamente preparada por nós mesmos e que nos aprisiona.

Já disseram que viver é correr riscos e temos a convicção de que somente retirando a película protetora que colocamos sobre as pessoas e as coisas podemos realmente absorver o melhor de tudo.

Se, por exemplo, partimos da concepção prévia de que apenas os brasileiros são capazes de fazer alguma coisa pelo nosso país, perdemos a grande oportunidade de aprender muito da vida, das pessoas e do nosso próprio povo com uma chilena, que tendo nascido em uma outra paragem, nos oferece muito mais conhecimento do que seriamos capazes de supor.




REFERÊNCIAS


BELEZA americana. Direção: Sam Mendes. Produção: Bruce Cohen, Dan Jinks, Alan Ball e Stan Wlodkowski. Roteiro: Allan Ball. Intérpretes: Kevin Spacey, Annette Bening, Thora Birch, Wes Bentley, Mena Suvari, Peter Gallagher, Chris Cooper, Allison Janney. Estados Unidos: DreamWorks SKG; DreamWorks Distribution / UIP, 1999, 1 filme (121min).

BERGER, Peter L.; LUCKMAN, Thomas. A construção social da realidade. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Preconceito. In: NOVO aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. São Paulo, Nova Fronteira, 1999. p. 1625.

GUARESCHI, Pedrinho A., Relações comunitárias relações de dominação. In: CAMPOS, Regina Helena de Freitas (Org.). Psicologia social e comunitária: da solidariedade à autonomia. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 81-99.

HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

PLATÃO. A república. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 2002.

sábado, 7 de maio de 2011

Inveja


Se tem uma coisa que eu gostaria de saber fazer bem é escrever. É que fico lendo os Jace Theodoro e as Aline Dias da vida e fico me perguntando como esse povo faz para parecer tão fácil quando eu não me canso de suar frio para montar três linhas.

Usar a setinha para a esquerda, desmanchando inúmeras vezes o escrito, e até mesmo me arrepender de ter começado um texto virou, para mim, rotina. Meus textos, aliás, parecem ter sempre o mesmo destino: ocupar o disco rígido de meu computador até que sejam deletados numa reformatação, que vem depois de uma infecção dos malditos vírus.

Este aqui, por exemplo, nada mais é que uma confissão de inveja: tenho inveja do Carpinejar do tamanho da que quando era pequeno tinha do Paulo Mendes Campos e do Rubem Braga. Inveja boa? Ora, você acredita mesmo em “inveja boa”, em “crítica construtiva” e nessas coisas que se desmentem pelo próprio nome? Não, muito obrigado.

Foi a Madre Wikipédia, guardiã do convento do São Google, quem me ensinou que a inveja é “um sentimento de aversão ao que o outro tem e a própria pessoa não tem” e volta e meia me pego danado da vida com a tranqüilidade com que um André Hees coloca uma idéia no papel só por me conscientizar de que as idéias até que as tenho, mas daí a transformá-las em texto vai uma distância grande.

Justamente nessas horas que percebo que talvez tenha até algum conteúdo e faço minha crítica, destruindo todo o meu pensar, meus preconceitos contra minha própria pessoa e me permito perceber que quase sem querer acabei chegando ao final de um texto.

Se um dia ele vai se tornar público eu não sei, mas está aí.