quarta-feira, 18 de maio de 2011

MacBeth - Um caso clássico de estresse.


UM CASO CLÁSSICO DE ESTRESSE


A tragédia Macbeth, de Willian Shakespeare (2003) é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores clássicos de todos os tempos da literatura universal.

O objetivo do presente trabalho é fazer uma análise do estresse de que é acometido a personagem principal, mostrando suas causas e conseqüências, a partir de algumas cenas da tragédia.


A OBRA

Macbeth é um glorioso general do exécito de Duncan, rei da Escócia, que, após uma sangrenta batalha é abordado por três bruxas que lhe revelam uma profecia: além do título de nobreza que já ostentava, o de Barão de Glamis, ele seria, também, Barão de Cawdor e Rei da Escócia, mesmo não guardando consangüinidade com Duncan. Ocorre que as bruxas revelam, também, que filhos de Banquo, outro general escocês, também seriam reis, ainda que Banquo não o fosse.

Dizem as bruxas, ainda, que nenhum homem parido por mulher poderia fazer mal a Macbeth.

De fato Macbeth, ao final da tragédia, é morto por Macduff, arrancado à força do ventre da mãe antes do tempo.


O ESTRESSE

Na cena III do primeiro ato as Irmãs Bruxas do Destino saúdam Macbeth como Barão de Glamis, de Cawdor e como futuro Rei. Banquo, que estava com ele, nota que ele se altera: “Banquo – Meu bom senhor, por que sobressalta-se? Por que parece o senhor temer palavras que soam tão auspiciosas? Em nome da verdade, é fantasioso o senhor ou é realmente aquele que mostra ser por fora?[...]”

Macbeth sobressalta-se, altera seu comportamento, porque percebe que algo pode mudar em sua vida.

Para WEITEN (2002) estresse pode ser definido como “[...] quaisquer circunstâncias que ameaçam ou são percebidas como ameaçadoras do bem-estar do indivíduo e que, portanto, minam as capacidades de enfrentamento do indivíduo [...].

Esta falta de capacidade de enfrentamento é confessada pelo protagonista:

MACBETH – Fiquem, vocês que se pronunciam de modo tão imperfeito. Digam-me mais: com a morte de Sinel, eu sei que sou o Barão de Glamis, mas como é possível eu ser Barão de Cawdor? O Barão de Cawdor está vivo, um próspero cavalheiro. Quanto a eu ser Rei, está é uma probabilidade na qual não se pode acreditar, mais incrível ainda que eu receber o título de Cawdor. Digam de onde vocês têm essa estranha informação, e por que razão, neste maldito pântano, vêm vocês interceptar nosso caminho com tais saudações proféticas? Falem, estou mandando.

Note-se que ao final da fala Macbeth mostra-se furioso, completamente alterado, justamente por não entender como seria possível que as profecias se realizassem. Ele não tinha capacidade de enfrentar a situação e por isto exasperava-se.


Entendimento relativamente semelhante é apresentado por BALONE (2002), que não vê o estresse apenas como uma circunstância percebida como ameaçadora. Segundo ele:

Devemos considerar o estresse uma ocorrência fisiológica e normal no reino animal. O estresse é a atitude biológica necessária para a adaptação do organismo à uma nova situação. Em medicina entende-se o estresse como uma ocorrência global, tanto do ponto de vista físico quanto do ponto de vista emocional. As primeiras pesquisas médicas sobre o estresse estudaram toda uma constelação de alterações orgânicas produzidas no organismo diante de uma situação de agressão.

Fisicamente o estresse aparece quando o organismo é submetido à uma nova situação, como uma cirurgia ou uma infecção, por exemplo, ou, do ponto de vista psicoemocional, à uma situação entendida como de ameaça. De qualquer forma, trata-se de um organismo submetido à uma situação nova (física ou psíquica), pela qual ele terá de lutar para adaptar-se, conseqüentemente, sobreviver. Portanto, o estresse é um mecanismo indispensável para a manutenção da adaptação à vida, indispensável pois, à sobrevivência.

De qualquer forma, a perspectiva de uma nova situação leva o organismo a realizar as alterações necessárias para que possa se adaptar.


O SISTEMA DE REAÇÃO DO ESTRESSE

Quando nosso cérebro, independente de nossa vontade, interpreta alguma situação como ameaçadora (estressante), todo nosso organismo passa a desenvolver uma série de alterações denominadas, em seu conjunto, de Síndrome Geral da Adaptação ao Estresse. Na primeira etapa dessa situação ocorre uma Reação de Alarme, onde todas as respostas corporais entram em estado de prontidão geral, ou seja, todo organismo é mobilizado sem envolvimento específico ou exclusivo de algum órgão em particular. É um estado de alerta geral, tal como se fosse um susto.

Isto ocorre quando Macbeth vê a primeira das profecias se realizando:

MACBETH – [...] Os temores do presente são menores que as horríveis figuras da imaginação. Meu pensamento, este que em si acolhe um assassínio não mais que fantasioso, sacode de tal maneira o reino de minha condição humana e única, que toda ação fica asfixiada em conjecturas, e nada mais existe, a não ser o que não existe.

O protagonista sente seu corpo e seu pensamento pronto para uma ação. Que ação? Ele ainda não sabe, mas está pronto.

Se esse Estresse continua por um período mais longo sobrevém a Segunda fase, chamada de Fase de Adaptação ou Resistência, a qual acontece quando a tensão se acumula. Nesta fase o corpo começa a acostumar-se aos estímulos causadores do Estresse e entra num estado de resistência ou de adaptação. Durante este estágio, o organismo adapta suas reações e seu metabolismo para suportar o Estresse por um período de tempo. Neste estado a reação de Estresse pode ser canalizada para um órgão específico ou para um determinado sistema, seja o sistema cardiológico, por exemplo, ou a pele, sistema muscular, aparelho digestivo, etc.

Quando Macbeth resolve assassinar Duncan e, portanto, mudar seu destino conforme a profecia, sente nos músculos o estresse:

MACBETH – Encontro-me agora determinado, e tensionada está cada fibra de meu corpo, em prontidão para esse terrível feito. Vamos! Que se enganem os outros com nossa aparência mais serena. Aquilo que sabe o coração falso, a cara deve esconder.

Depois de consumado o ato, o assassinato de Duncan, Macbeth aumenta o seu nível de prontidão de tal forma que tudo o apavora: “MACBETH – De onde vêm essas batidas? O que há comigo, quando todo e qualquer barulho me apavora? Que mãos são estas aqui?”

A ansiedade é de tal monta que o assassino de Duncan sequer consegue dormir. O sentimento de medo de ser descoberto mistura-se com a prontidão necessária para que nada de ruim lhe aconteça. De fato, ele, que buscava se adaptar a uma nova realidade, tem mais motivos agora para aumentar sua prontidão, já que se descoberto pelo homicídio pode sofrer conseqüências nefastas.

Entretanto, a energia dirigida para adaptação da pessoa à solicitação estressante não é ilimitada e se o Estresse ainda continuar, o corpo todo pode entrar na terceira fase, o Estado de Esgotamento, onde haverá queda acentuada de nossa capacidade adaptativa.

Entrando neste estado o agora Barão de Gamis e Cawdor afirma:

MACBETH – Tivesse eu morrido uma hora antes desta fatalidade, e eu teria vivido uma vida abençoada. A partir desse instante, nada há de sério na mortalidade. Tudo são ninharias. A Honra e a Graça Divina estão mortas, o vinho da Vida esgotou-se, o que sobra na adega são meras borras, e é delas apenas que podemos nos gabar.

É evidente que Macbeth tenta, com sua fala, disfarçar ser o autor do crime e convencer seu interlocutor de que estava triste com o fato. Mas, apesar disto, não seria exatamente assim que ele estava se sentindo em decorrência do estresse?

Conforme Ballone (2002), a Síndrome Geral de Adaptação descrita por Selye consiste, como vimos, em três fases sucessivas: Reação de Alarme, Fase de adaptação ou Resistência e Fase de Exaustão. Sendo que a última, Fase de Exaustão, é atingida apenas nas situações mais graves e, normalmente, persistentes.

É importante lembrar que o estresse de Macbeth ainda tem fortes razões para continuar. Com efeito, uma das profecias era a de que os filhos de Banquo também se tornariam reis. Era preciso, então, temer Banquo e seus filhos e, mais do que isto, era preciso estar pronto para enfrentar seu antigo amigo:

MACBETH – Pois inimigo meu ele também é. E nossa disputa é tão letal que cada minuto de vida nele ataca-me em minhas partes mais vitais. Muito embora eu pudesse, com a força nua e crua de meu poder, varrê-lo para sempre de minha vista, tão somente com o aval de minha vontade soberana, encontro-me impedido de assim proceder, pois certos amigos temos os dois em comum, e desses amigos não posso dispensar a afeição.

Macbeth sentia o estresse consumindo suas vísceras. Cada segundo de vida em Banquo representava para ele um segundo de prontidão. Tal prontidão, que parecia não cessar nunca, chegava mesmo a causar-lhe males físicos e até mesmo a perda de apetite.

Com a morte do filho de Banquo, que, segundo a profecia, seria rei no lugar de Macbeth, seu nível de estresse abaixa um pouco e ele consegue se alimentar e sente-se até mesmo mais saudável: “[...] Agora, que a boa digestão preste homenagem ao apetite, e que a saúde homenageie a ambos”.


LIDANDO COM O ESTRESSE

Macbeth usou, para se livrar do seu estresse, a eliminação das causas, ou seja, matou ou mandou matar todos aqueles que, em sua ótica, representavam risco à sua integridade.

Quando soube, no entanto, que isto não tinha bastado, já que os filhos de Duncan eram hospedados por Edward, na Inglaterra, voltou a ter preocupações e, portanto, a entrar em estado de prontidão. Neste momento ele busca uma outra alternativa, chamada por Ellis (apud WEITEN, 2002) de sistema de crenças. Para ele a questão estava em como um evento é interpretado pelo sujeito e, mudando-se a forma de analisar o evento, altera-se o nível do estresse.

Macbeth precisava, para lidar com seu estresse, ter certeza de que não haveria motivos para temer. Procura, então, as três bruxas que invocam fantasmas que dizem a Macbeth que nenhum homem nascido de mulher poderia lhe fazer mal.

A partir do momento em que passou a se acreditar indestrutível por seres humanos, Macbeth relaxou (reduziu seu estado de prontidão). Talvez tenha sido este o seu erro: “MACDUFF – Agora, desespera-te com teu feitiço, e permite que te diga o próprio Anjo de quem és escravo: ‘Do ventre de sua mãe Macduff foi arrancado à força, antes do tempo’”. Macduff não era homem nascido de mulher, mas arrancado dela antes do tempo.

Macduff arranca a cabeça de Macbeth e devolve o trono a quem de direito.


REFERÊNCIAS

BALONNE, G. J. Estresse, PsiqWeb Psiquiatria Geral c2002. Disponível em <http://www.psiqweb.med.br/cursos/stress1.html>. Acesso em 09 dez. 2003.

WEITEN, W. Introdução à psicologia: temas e variações. São Paulo: Pioneira Thompson, 2002.

SHAKESPEARE, W. Macbeth, in Tragédias. São Paulo: Nova Cultural, 2003.


Um comentário:

  1. Ballone tem razão. A questão é a mesma para todo o reino animal. A exaustão é o prelúdio da morte. Somente o homem é capaz de manter um estado de prontidão para não perder a cabeça. Pois somente à este é dado o poder da reflexão sobre o entorno, que lhe trará o equilíbrio necessário diante das adversidades.

    ResponderExcluir